JUSTIÇA POÉTICA: A escrita de Pedro Tierra em 'Poemas do Povo da Noite' como inscrição memorialística das violações a direitos e garantias fundamentais cometidas na ditadura civil-militar brasileira
Dissertação de Mestrado Acadêmico
Autor(es)
Ana Paula Correia Mari (Mari, Ana Paula Correia) / anapaulacmari4@gmail.com
Programa de Pós-graduação em Direito
Área de conhecimento
DIREITO
DEMOCRACIA, LIBERDADE E CIDADANIA
Orientador(es)
Júlio Aguiar de Oliveira
Coorientador(es)
Luciana Pereira Queiroz Pimenta
Banca Examinadora
Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno ( PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS )
Renata Silva Gomes ( )
14/04/2023
JUSTIÇA POÉTICA: A escrita de Pedro Tierra em 'Poemas do Povo da Noite' como inscrição memorialística das violações a direitos e garantias fundamentais cometidas na ditadura civil-militar brasileira
Palavras-chave em Português
Ditadura civil-militar brasileira
Justiça jurídica
Justiça poética
Memoricídio
Pedro Tierra
O presente trabalho analisa a atuação do Direito ante o contexto da ditadura civil-militar brasileira, demonstrando as limitações da esfera jurídica quando diante do trauma e a necessidade de se pensar em modos outros de se fazer justiça às vítimas, para além da esfera jurídica. Pensando numa abordagem interdisciplinar, a literatura desponta como um espaço profícuo para que as vítimas do período ditatorial possam efetivamente narrar suas experiências traumáticas. Para que houvesse um arcabouço teórico que sustentasse esta pesquisa, a metodologia empregada foi a revisão bibliográfica, o que, inclusive, nos possibilitou a defesa da interlocução entre o direito e a literatura como uma forma de superar ou, ao menos, combater, as políticas de apagamentos que rondam a sociedade brasileira e que repercutem, inclusive, na esfera jurídica. A partir dessa revisão bibliográfica, buscamos confirmar a possibilidade de a obra ‘Poemas do Povo da Noite’, de autoria de Pedro Tierra – e que carrega consigo um teor testemunhal – conseguir registrar aquilo que escapa ao Direito, tendo como orientação a perspectiva da vítima. Primeiramente, tentamos identificar a continuidade autoritária deixada pelo golpe de 1964 e pelo regime ditatorial que a partir dele se instaurou, traduzida na forma de silenciamento das narrativas de suas vítimas. Num segundo momento, demonstramos o entrelace entre o Direito e a violência que é por ele naturalizada e legitimada, no intuito de manter o poder do direito. Alguns dispositivos legais são apresentados, a fim de se identificar estratégias de apagamentos da memória jurídica, que se mostra como seletora daquilo que se inclui ou exclui da história e que nos faz refletir se a definição de justiça se resume a tão somente o estrito cumprimento legal. Por fim, compreendemos que a consolidação de uma justiça de transição não se restringe a mecanismos judiciais. Nesse sentido, textos literários de cunho testemunhal, como a obra ‘Poemas do Povo da Noite’, conseguem registrar aquilo que escapa à justiça jurídica, fazendo com que as narrativas das vítimas, obliteradas na sociedade brasileira, emerjam-se, desarticulando o discurso hegemônico dos vencedores. A pesquisa se relaciona com a área de concentração ‘Democracia, liberdade e cidadania’ porque não exercemos nossa cidadania se não refletimos sobre nossos direitos e deveres que, aqui, se traduzem no direito à memória e no dever de não permitirmos a perpetuação de políticas de apagamentos, assim como não há como pensarmos num país verdadeiramente pautado na democracia e na liberdade se ainda hoje um silenciamento se mantém na sociedade, refletido até mesmo em instrumentos jurídicos que deveriam, a princípio, combatê-lo.
POETIC JUSTICE: Pedro Tierra's writing in 'Poemas do Povo da Noite' as memorialistic inscription of violations of fundamental rights and guarantees committed in the brazilian civil-military dictatorship
Palavras-chave em Inglês
Brazilian civil-military dictatorship
Legal justice
Memoricide
Pedro Tierra
Poetic justice
The present work analyzes the performance of Law in the context of the Brazilian civil-military dictatorship, demonstrating the limitations of the legal sphere when faced with trauma and the need to think of other ways of doing justice to victims, beyond the legal sphere. Thinking about an interdisciplinary approach, literature emerges as a fruitful space for victims of the dictatorial period to effectively narrate their traumatic experiences. In order for there to be a theoretical framework to support this research, the methodology used was the bibliographic review, which even enabled us to defend the interlocution between law and literature as a way of overcoming, or at least combating, the policies erasures that surround Brazilian society and that even affect the legal sphere. From this bibliographical review, we seek to confirm the possibility that the work ‘Poemas do Povo da Noite’, by Pedro Tierra – and which carries with it a testimonial content – manages to register what escapes the Law, having as orientation the victim’s perspective. First, we try to identify the authoritarian continuity left by the 1964 coup and the dictatorial regime that was established after it, translated in the form of silencing the narratives of its victims. In a second moment, we demonstrate the intertwining between the law and the violence that is naturalized and legitimized by it, in order to maintain the power of the law. Some legal provisions are presented in order to identify strategies for erasing the legal memory, which shows itself as a selector of what is included or excluded from history and which makes us reflect on whether the definition of justice comes down to just strict legal compliance. Finally, we understand that the consolidation of a transitional justice is not restricted to judicial mechanisms. In this sense, literary texts of a testimonial nature, such as the work ‘Poemas do Povo da Noite’, manage to register what escapes legal justice, causing the narratives of the victims, obliterated in Brazilian society, to emerge, dismantling the hegemonic discourse of the winners. The research relates to the area of concentration 'Democracy, freedom and citizenship' because we do not exercise our citizenship if we do not reflect on our rights and duties which, here, are translated into the right to memory and the duty of not allowing the perpetuation of policies of erasures, just as there is no way we can think of a country truly based on democracy and freedom if even today a silencing remains in society, reflected even in legal instruments that should, in principle, combat it.
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